As pulgas sonham com comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico a sorte chova de repente, que chova a boa sorte dos cântaros; mas a boa sorte não chove ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns são filhos de ninguém, os donos de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são, embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam supertições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não têm cultura, e sim folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas da impresa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata.


(Maravilhoso! Por Eduardo Galeano)

2 comentários:

Anônimo disse...

MUITO bom!!!
Tinha que ser o Galeano, hein?
Muito atual. Muito real.
Precisa-se, de vez em quando, ou quase sempre, (senão sempre!) de reflexões como essa para que acordemos e enxerguemos essa realidade tão dura que nos cerca...
Gostei.


Sarah Soares

carol mota disse...

caraca..me arrepiei!!..mt bomm!!

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