Um poema bem existencialista, aquilo que Sartre falava sobre o livre arbítrio como "uma forma de castigo".(Tudo bem que ele afirmava categoricamente, mas não sou tão cética e nem um pouco "pessimista" quanto ele)

"Dos habituais comportamentos
contemporâneos
optar é deles o mais desumano
escolher entre tantos
a quem vou amar
se telefono agora ou depois
ou não ligo
se insisto ou desisto
ou nem isso
peço demissão
fico grávida
troco de país
mudo de vida
(e que verso vem agora
o que inventar para continuar sendo lida)
que saudade me fará o calor
caso venha a preferir o frio
e estando a escolha feita
nada me convence
ou tranqüiliza
estou sempre de olho na outra margem do rio"

"Os violadores que mais ferozmente violam a natureza e os direitos humanos jamais são presos.Eles têm as chaves das prisões.No mundo como ele é, mundo ao avesso, os países responsáveis pela paz universal são os que mais armas fabricam e os que mais armas vendem aos narcodólares, lavam e mais dinheiro roubado guardam.As indústrias mais exitosas são as que mais envenenam o planeta, e a salvação do meio ambiente é o mais brilhante negócio das empresas que o aniquilam.São dignos de impunidade e felicitações aqueles que matam mais pessoas em menos tempo, aqueles que ganham mais dinheiro com menos trabalho e aqueles que exterminam mais a natureza com menos custo.
Caminhar é um perigo e respirar é uma façanha nas grandes cidades do mundo ao avesso.Quem não é prisioneiro da necessidade é prisioneiro do medo:uns não dormem por causa da ânsia de ter o que não têm, outros não dormem por causa do pânico de perder o que têm.O mundo ao avesso nos adestra para ver o próximo como uma ameaça e não como uma promessa, nos reduz à solidão e nos consola com drogas químicas e amigos cibernéticos.Estamos condenados a morrer de fome, a morrer de medo ou a morrer de tédio, isso se uma bala perdida não vier abreviar nossa existência.
Será esta liberdade, a liberdade de escolher entre ameaçadores infortúnios , nossa única liberdade possível?O mundo ao avesso nos ensina a padecer a realidade ao invés de transformá-la, a esquecer o passado ao invés de escutá-lo e a aceitar o futuro ao invés de imaginá-lo:assim pratica o crime, assim o recomenda.Em sua escola, escola do crime, são obrigatórias as aulas de impotência,amnésia e resignação.Mas está visto que não há desgraça sem graça, nem cara que não tenha sua coroa, nem desalento que não busque seu alento.Nem tampouco há escola que não encontre sua contra- escola."
(...)
"Quem são os carcereiros, quem são os cativos? Poder-se-ia dizer que, de algum modo, todos nós estamos presos.Os que estão dentro das prisões e os que estamos fora delas.São livres, acaso, aqueles que são prisioneiros da necessidade, obrigados a viver para trabalhar porque não podem dar-se ao luxo de trabalhar para viver?E os prisioneiros do desespero, que não têm trabalho nem o terão, condenados a viver roubando ou fazendo milagres?E os prisioneiros do medo, acaso somos livres?E acaso não somos prisioneiros do medo,os de cima, os de baixo e os do meio?Em sociedade obrigadas ao salve-se quem puder, somos pricioneiros os vigias e os vigiados, os eleitos e os párias"
(Eduardo Galeano)